- A Viúva e o papa-defunto
Adalgisa conheceu Adalberto quando enviuvou e precisou de um profissional para tratar do enterro do falecido. Adalberto vestiu defunto, destravou as burocracias e deixou o corpo prontinho na capela para o velório.
Na hora do enterro, consolou Adalgisa lembrando que a vida é uma passagem e que a morte não representa o fim.
- Você fala como um profissional. – disse Adalgisa.
- Não só como profissional, mas como amigo. Pode me considerar seu amigo. – ressaltou o papa-defunto.
E, naquele instante, as vidas de Adalgisa e Adalberto se uniram.
- Alô! Por favor, quero falar com Adalberto. – ligou Adalgisa não muito depois do enterro.
- Ele não está. É algum assunto profissional? – quis saber quem atendeu.
- Não. É particular. O celular dele... eu tenho. Vou ligar. – respondeu Adalgisa com uma ponta de irritação.
Só liga procurando papa-defunto quem quer enterrar alguém?!! Teve vontade de falar mas deixou de lado e achou Adalberto no celular.
Em pouco tempo, jantavam juntos descobrindo pontos em comum nas preferências e nos pensamentos.
- Gosto dos sertanejos universitários também. – confessa Adalgisa.
- Também gosto, mas sou mais Elymar Santos, Alcione...- revela Adalberto.
- Assumo o que gosto. Você me parece assim também. – assunta Adalgisa.
- Com certeza. – afirma Adalberto.
Na primeira semana, tinham gostos em comum; na segunda, uma história; na terceira, descobriram motivos pelos quais riam juntos.
- Esses políticos querem jogar o país no buraco. – disse Adalgisa interrompendo a frase ao lembrar que esse era o trabalho de Adalberto – Desculpe.
- Não há problema. – contemporizou Adalberto - O buraco da minha profissão é diferente desse onde os políticos jogam o Brasil.
- Você me entende tão bem. – concluiu Adalgisa.
Em casa, a família de Adalgisa não gostou.
- Mãe, a senhora está namorando?! – quis saber a filha, o filho e até genro e nora.
- E daí? Sou sem compromisso. – marcou posição Adalgisa.
- A senhora é viúva! – lembrou o filho.
- Ex!! Ex-viúva!! Tem ex-mulher, ex-namorada, ex-caso.... tem até EX-PRESIDENTA! Eu sou ex-viúva! Se querem arrumar um termo que defina meu estado civil, digam que sou ficante. E não se fala mais nisso.
Adalgisa e Adalberto vivem juntos. Ela ainda não se aposentou na DataPrev, ele continua no ramo funerário. Até progrediu e está gerenciando um Plano Funeral que dá direito à cremação ou jazigo perpétuo com psicólogo para terapia aliviando o trauma da perda. Quando dá, viajam.
Gostam das cidades históricas de Minas, litoral nordestino e já foram até a Buenos Aires onde fizeram um tour pelo Cemitério da Recoleta. Adalberto lamentou que no Brasil não se tenha o capricho argentino pelos mortos.
Adalgisa e Adalberto formam um casal feliz celebrando a vida. O título ficou “A viúva e o papa-defunto” só porque parece Literatura de Cordel e o gênero dá um toque charmoso ao texto.
