Não é o Funk
Literatura, música e qualquer expressão artística focalizam o momento e a realidade. Mesmo quando parece irreal o que lemos ou ouvimos, retrata uma vivência. As obras absurdas de Kafka ou o realismo fantástico de García Marques têm uma relação forte com o momento passado pela humanidade. Portanto, culpar Asa Branca de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira pela seca nordestina ou Charles Anjo 45 de Jorge Benjor pelo banditismo no morro é condenar a consequência sem tocar na causa.
O Funk retrata a realidade de gerações cujos valores estão sendo distorcidos por um cotidiano dramático, sem esperança ou perspectiva. As letras falam de armas que chegam lá e do sexo que se conhece por lá. Portanto, o garoto que vê no fuzil chance de ascensão social ou a moça que vê no shortinho a forma de ser desejada serão cantados no Funk porque é dessa realidade que tal música fala. Nós vemos o que nossa sensibilidade e nossa inteligência permitem. O problema é a realidade e não o que dela apreendemos.
Atualmente, há uma inversão de valores culpando a vítima do assalto por carregar um celular de última geração ou por circular em local perigoso. A vítima é fuzilada e vem a justificativa de que teria reagido ou fez um gesto brusco que assustou o assaltante. É inaceitável o cinismo de um estuprador que violenta a vítima com a justificativa de que foi provocado pela roupa que a mulher vestia.
Um cantor considerado sertanejo disse que não canta samba porque seria “um ritmo de bandido”. Depois, pediu desculpas. No entanto, pode-se ver por detrás de tal afirmação o mesmo preconceito que se tem com o Funk.
Por isso, no futuro, talvez, o funk será executado numa passarela com um público nacional e internacional aplaudindo. Claro que todos esperam que seja num tom nem tão ensurdecedor como o atual. E, que neste futuro, a violência urbana esteja dominada com cidades vivendo em paz com a população exercendo o direito de ir e vir.
Que venha esse futuro porque, afinal, o culpado não é o Funk.
